A recente pandemia de COVID reascendeu o debate sobre a importância da informação para a saúde pública e o quanto a desinformação mata. Muitos especialistas enxergam similaridade no avanço da doença com a pandemia da AIDS que assolou o mundo na década de 80 e que até hoje deixa cicatrizes na desinformação e estigam de pessoas vivendo com HIV.
Os primeiros registrados como AIDS (doença causada pelo vírus HIV quando não tratado) são de 1977 e somente em 1981 começou a preocupar autoridades de saúde pública, quando o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos publicou um relatório a respeito. No ano seguinte a enfermidade até então pouco conhecida ganhou o nome de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (que forma a sigla AIDS em inglês) e a década de 80 ficaria marcada para sempre como a da “pandemia da AIDS”, quando o avanço da doença afetou os cinco continentes e os tratamentos até então ineficientes faziam do diagnóstico quase uma sentença de morte.
Passadas quase cinco décadas desde os primeiros registros, embora ainda não tenha sido descoberta a cura (alguns poucos casos isolados são de conhecimento e ainda são estudados por cientistas), a qualidade do tratamento e da prevenção fez não só a diminuição do alastramento da infecção em escala global, como proporciona a pessoas vivendo com HIV uma vida normal. Contudo o estigma social ainda continua presente e hoje é apontado como um dos maiores desafios.
A gente precisa entender que não cuidamos do vírus, mas sim de pessoas
Infectologista Vinícius Borges, conhecido nas redes sociais como Doutor Maravilha
Em seu dia a dia no consultório e com o trabalho de suporte que também proporciona nas redes sociais Vinícus Borges, o “Doutor Maravilha” entende que promover a saúde desses pacientes não é só controlar a carga viral, mas também se preocupar com o bem-estar social.
Se hoje o vírus HIV mata menos pessoas no mundo, o isolamento social ainda é uma constante em muitos casos. O Dr. Vinícius lembra inclusive que uma das inspirações para seu trabalho com o perfil nas redes sociais partiu da conversa com um paciente, quando fazia residência em infectologia no Hospital das Clínicas da UFMG, que apesar de ter um quadro clínico bom tinha se fechado para relacionamentos: “O paciente achava que aquilo não era mais pra ele desde que foi diagnosticado. Tinha medo de transmitir e medo do preconceito”, lembra.
Quem vê hoje o ator Evandro Manchini falando abertamente sobre viver com HIV não imagina que entre o diagnóstico e “sair do armário” socialmente para pessoas além das mais próximas levou três anos. “Apesar desse tempo para me sentir confortável para falar abertamente, tive o percebimento rápido dos estigmas. Eu mesmo era muito pouco informado a respeito e tinha preconceitos”, lembra.
Foi a partir da experiência pessoal que em 2018, através de um projeto de mestrado, começou a buscar maneiras que a arte e a comunicação pudessem contribuir para a diminuição do preconceito e aumento da informação para a prevenção. Desde o ano passado (2022) resolveu levar o assunto para as suas redes sociais. “Pessoalmente esse movimento foi importante para naturalizar uma conversa que já podemos tratar com naturalidade”, afirmou Evandro.
Ambos usam o espaço das redes para levar informação com uma linguagem mais simples, ampliar o alcance do assunto e assim ajudar na prevenção, tratamento e diminuição do preconceito. “É preciso atualizar o assunto HIV. Precisamos lembrar que é uma IST e por isso deve ser falada sob a perspectiva de saúde pública e não só de cada indivíduo”, acredita Evandro.
Para o Dr. Vinícius Borges uma das maiores dificuldades é o tabu que a nossa sociedade tem para falar sobre sexo. “Como a transmissão por via sexual é uma das possibilidades isso faz com que falar sobre HIV ou qualquer outra IST se torne um tabu”, explica. A educação sexual é, segundo o infectologista, primordial não só para a questão clínica, mas também social que atinge as pessoas que vivem com o vírus.
Ele aponta a ausência do debate do assunto dentro de casa e nas escolas, ou a maneira inadequada como é tratado, como um dos fatores responsáveis pelo grupo que teve maior aumento na incidência de diagnóstico na última década ser de jovens entre 19 e 24 anos. “Sexo precisa de educação e cuidado. A forma como esse assunto é levado a sala da aula, na maioria das vezes com imagens fortes e com tom punitivo só causa medo e não educa”, analisa.
Talvez por isso as redes sociais ganhem cada vez mais importância na democratização da informação. Além de atingir mais jovens, esse trabalho ajuda na desmistificação do diagnóstico através da representatividade e da preocupação em tornar a informação mais acessível.
Nesse sentido Evandro destaca dois pontos importantes: É preciso furar a bolha e falar sobre o assunto também com quem não vive com HIV, além da importância de uma linguagem mais adequada. “É o que faço quando coloco no meu perfil o questionamento “E se o HIV fosse um assunto nosso” e quando lembro a importância de usar termos como “pessoa que vive com HIV” no lugar de “soropositivo” e “relação sorodiferente” ao invés de “sorodiscordante”. É através desses pequenos ajustes que vamos mostrando que quem vive com HIV é uma pessoa com vida normal, que pode continuar com seus planos e sonhos”, afirma.
Os dois concordam ainda que a abordagem do tema deve buscar uma característica mais positiva e menos ameaçadora. “Sinto falta de campanhas que adotem a vida como recorte principal. É preciso lembrar que a pessoa com HIV terá uma vida normal, que indetectável é igual a intransmissível e que, entre outras coisas, é possível ter filho biológico”, comenta Evandro. Outro ponto importante é desmistificar a doença ao retirar estigmas que acompanham o HIV desde os primeiros casos. A importância de não falar mais em grupo de risco (hoje a população heterossexual é em números absolutos a que apresenta mais casos) e levar em consideração o recorte social que influi nas estatísticas. “A AIDS ainda mata (em 2021 cerca de 650 mil mortes relacionadas a doença foram registradas no mundo segundo a UNAIDS – programa conjunto das Nações Unidas para HIV/AIDS), mas estatisticamente uma mulher negra tem três vezes mais chance de morrer que um homem branco. Isso é reflexo do acesso ao serviço de saúde e do preconceito. Avançamos para alguns grupos e para outro não”, alerta o Dr. Vinícius.
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