Segunda mais votada do seu partido (PT) em Araraquara, décima maior votação entre os dezoito vereadores eleitos, Filipa Brunelli se tornou a primeira mulher trans eleita em Araraquara (SP).
Em entrevista exclusiva para a BeFree Mag ela nos conta sobre como foi o caminho até o cargo e traz o importante debate sobre os próximos passos depois do destaque nas últimas eleições de parlamentares trans tendo resultados expressivos. De forma franca ela fala ainda sobre o peso de não poder errar, já que esperam o primeiro deslize para dizer que pessoas trans não tem capacidade de ocupar os cargos políticos.
Como você chegou na política?
Por incrível que pareça eu não me origino do movimento LGBTQIA+. Inicio minhas lutas políticas no movimento estudantil, em 2010, quando fui presidenta do grêmio estudantil da escola. Ali foi o momento que adentrei a política, quando começo a perceber as mazelas do estado brasileiro quanto a educação.
E como chegou ao movimento LGBTQIA+? Nesse mesmo momento começaram a surgir as minhas questões de identidade de gênero. Com isso começo a fazer também um debate sobre questões LGBTQIA+.
Só que o movimento que tinha na época em Araraquara era um grupo com pensamento ainda “GLS”, que resumia as pautas somente na questão de HIV/AIDS.
Não me senti representada porque não havia respeito a corpos de homens gays afeminados, corpos gordos, de pessoas pretas, LGBTs periféricos, mulheres trans e travestis. Então em 2011 começo a ingressar no movimento buscando um debate mais interseccional. Foi quando criei o coletivo “Papo das Bee”.
Importante destacar que foi necessária a existência desse movimento anterior, mais a gente passou a trazer uma nova roupagem pro movimento. É quando começa a perspectiva da ampliação das letras desse movimento.
Como você trilhou seu caminho até ser eleita a primeira vereadora trans de Araraquara?
Em 2016 fui convidada pelo Edinho Silva a criar o plano de governo dele sobre a pauta LGBTQIA+ devido o destaque que ganhei na cidade nas questões da militância. Depois, em 2017, ele me chama para ser Assessora Especial de Políticas LGBT. Justamente em um período em que as pautas de Direitos Humanos são praticamente extintas, quando o neofascismo tomou conta do Brasil.
Isso me deu projeção. Não fui convidada pelo partido a ser candidata, mas os LGBTs da cidade se mobilizaram de uma forma que nunca aconteceu antes em Araraquara e fizeram um abaixo-assinado pedido a minha candidatura pro partido. Nós não tivemos apadrinhamento, mas a gente tinha uma bandeira e um sonho de ser o primeiro projeto político representado por uma travesti na cidade.
Como você pensa que a política deve ser feita?
Sempre fiz uma construção coletiva de tudo. Acredito que quando a gente constrói algo de forma individual pode cair por terra. Já de forma coletiva, independente da Filipa existir ou não, aquilo vai dar sequência.
Eu sigo essa ótica das nossas matriarcas travestis e deu certo. Criamos um bonde revolucionário, como a gente chamou, para a nossa mandata. Ela não é uma mandata coletiva, mas é construída coletivamente, com representantes de núcleos diferentes.
Qual a importância do crescente número de pessoas trans em cargos políticos?
É uma grande conquista. Falo sempre pras manas que estão nessa luta conosco que, independente do futuro, nos já demarcamos a história de forma positiva mostrando que nossas corpas são capazes de ocupar esses espaços institucionais, mesmo quando a heterocisnormatividade fala pra nós que não. Nós somos a concretização do sonho das nossas ancestrais. As pessoas que vieram antes de nós sempre sonharam em ocupar esses espaços de poder, para de fato ter a voz do movimento dentro. Elas foram fundamentais para romper o sistema e a gente pudesse dar esse novo passo.
E quais os principais desafios depois de chegar a esses cargos?
Quando eu protocolo um projeto de lei tenho que fazer uma justificativa de 5, 6 páginas, enquanto os outros colegas fazem com um parágrafo. A gente tem que triplificar nosso serviço porque a nossa intelectualidade é sempre reduzida.
Além disso, estava falando com a Erika Hilton que não podemos nos frustrar por não conseguir aprovar os nossos projetos agora. O movimento que estamos fazendo é de ocupação política. Vai demorar um tempo ainda para que os projetos comecem a ser apreciados e respeitados dentro desses espaços. Então temos que tomar o cuidado de não se frustrar e achar que esse espaço não é pra nós.
A gente também não tem a chance de errar. Se a gente erra acabou essa ocupação política. Vai demorar muito tempo para outra como a gente ocupar esse espaço. Por fim precisamos fazer um plano de como vamos permanecer nesses espaços. O movimento LGBTQIA+ precisa blindar as corpas travestis na política para fortalecer as nossas mandatas. Entender que esses avançares não são sobre a minha pessoa ou uma única pessoa, mas sim de toda a comunidade.
Para você quais os próximos passos importantes?
Precisamos criar novas lideranças. Precisamos eleger LGBTs em todas as câmaras desse país, mas é preciso ficar atento ao discurso raso de representatividade. Vemos muitos LGBTs que são cooptados por uma branquitude cisheteronormativa da política e não fazem nada pelo movimento. Inclusive compactuam com o fundamentalismo religioso que está destruindo a nossa democracia.
Ainda é preciso entender que nossas pautas estão acima das bandeiras partidárias. Nenhum partido político vai acolher nossas pautas e corpas 100%. Precisamos voltar as lutas sociais, das ocupações das ruas e dos movimentos sociais.
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